Ontem abrimos uma aurora. Não abrimos com pedra, ferro e aço.
Para sairmos do velho fim de mundo tivemos que obter conhecimentos outros. Após testes, constatamos que as ferramentas antigas não mais nos serviam. Os mesquinhos já não puderam aumentar suas panças para que pudéssemos sair desse fim de mundo.
Tivemos que nos atentar ao que diziam as bactérias (que se escondem no profundo oceano), pra saber como se esconderam no ato do naufrágio, até que tudo passasse. Além disso, não era mais possível consultar os manuais de salvamentos, e tivemos que buscar as diretrizes noutro lugar. Tivemos ainda, antes de sairmos do velho fim do mundo, que construir outro fim do mundo, e só então estávamos aptos pra um novo começo de mundo.
Descobrimos que: os melhores luscos-fuscos não se escondiam às nossas vistas; os abraços são dados usando todos os músculos, até os que movem as pestanas; as lagartas morrem quando nascem; os cachorros possuem melhores amigos que não são humanos; os gatos gostam de carinho demorado; os meninos sabem sonhar na rua; as mães se cansam; os pés sabem pisar a grama sem culpa e outros desconhecimentos que só o fim do mundo certo pôde nos proporcionar.
É certo, que em algum momento daquele fim de mundo, achávamos que não havia mais nada que pudesse ser feito para abrir um novo. E depois de tentarmos alicates, armas de fogo, lâmina de espada, força bruta, furadeiras gigantes e etc., só conseguimos fissurar a fina membrana que nos separava deste novo mundo, com a ferramenta dos poetas. Alguém, no meio da iminência obscura de um fim melancólico, se lembrou: podemos tentar com o abridor de amanhecer!
Estava lá, o hoje, do jeito que se criou. Quando a fissura foi se alargando, e começamos a espiar pela brecha o novo, todas as palavras tinham sido libertas para criar seu destino. Que alívio foi ver que toda gente sabe criar o mundo com palavra!
Hoje é o primeiro dia do novo, que ainda está sendo palavriado, e vendo como andam os processos, acredito que teremos sucesso. Nesse primeiro dia já inventamos uma palavra para designar a imagem de um anoitecer tranquilo. E também estamos trabalhando na palavra certa pra descrever o êxtase dos reencontros, mas ela virá. A dificuldade agora é inventar uma palavra que possa soterrar o velho normal e geminar o mundo com plantas alegrinhas. Cada coisa no seu tempo.
E sobre o tempo, toda gente está achando que as medidas antigas não servem mais. Estudando ensaios, nos foi útil a observação em perspectiva: as lesmas e as tartarugas são bem rápidas se comparadas a formação das rochas e ribanceiras, é um aspecto polêmico, mas poder ser útil. O ser humano vive uma eternidade quando contemporâneo às moscas. Mas as moscas vivem uma eternidade se comparadas aos vírus sem corpo. Mas em compensação, os vírus quando encontram um corpo, vivem uma eternidade se defronte à saudade. São estudos de tempo que agora, no primeiro dia do novo mundo, nos ajudam a criar réguas para as mudanças que estão porvir.
E como é importante saber a hora de interromper, por enquanto, os estudos que são inúteis aos mesquinhos, deixo aqui uma certeza escrita na areia eterna das praias que agora brilham mais do que anteontem - os trabalhamentos dos poetas surtiram efeito.