quarta-feira, 8 de abril de 2015

sobre os "s"

Aquela sensação de pós-morte desce seco pela garganta. Mais um, e talvez só mais um. Ainda não soube de que foi, se foi de amor, ou desamor. Se foi só... se foi só. Tinha uma vontade estranha, de um dia ser capaz de secar todas as lágrimas que já se guardaram nos seus rios. Tinha uma necessidade estranha de fazer racionamentos desnecessários. Tinha nenhuma chance de secá-las, porque lhe falaram que é bom guardar, quem guarda sempre tem. É o ditado. Mas, tem pra quando? Um dia, foi seduzido pela vida, pelas cores da vida, pela possibilidade de comê-las. E quase comeu, quase. De fato sentia uma angústia, grande, dentro de si. Uma coisa que nunca passava, nunca ia embora, estava sempre lá, renovando votos de um casamento: na alegria e na tristeza, a tristeza nunca ia embora. Agonia, desassossego, e uma vontade grande de mudar, sempre mudar...e sempre mudava de fato. Mudava tanto que nem sabia mais aonde tinha deixado seu corpo. Nesse dia, andou pelo branco e pelo preto, andou pelo cinza, andou com seres grandes e pequenos...andou por aí, com a certeza de que não tinha dado um passo sequer. Nessa andança achou-se. Depois de tanto andar se encontrou e conversou longamente, achou-se, e chorou-se. Foi tanta a força desse encontro, que nem sabia pra onde ia depois sem "si mesmo", foi tanto o estrago desse encontro que, mesmo se quisesse não havia uma gota sequer de lágrima nenhuma pra chorar-se. Por mais que doa, nunca chora, há um racionamento, há seca. E mesmo assim insiste em procurar alguma água pra chorar-se, numa espécie de autopiedade, de misericórdia de si no encontro com o mundo. Porque o mundo é um espelho, e o reflexo que se vê é cheio de marcas fundas e fendas escuras e tristes. Naquele dia, naquele encontro, ninguém podia duvidar de dor nenhuma, a dor estava ali manchando as paredes, sujando os móveis, rasgando as roupas, e destruindo abraços futuros. Ele chorou-se tanto, se visse, nem acreditaria. Quem dera pudesse ir sem deixar nenhum choro, nenhuma tristeza, mas, assim como os cheiros, os sentimentos ficam vagando, procurando seus donos, mesmo depois que eles vão embora. E depois, quando não acham o que procuram, fazem os outros sentirem seus cheiros, e comerem seus sentimentos. É quase como as almas de quem amou um dia, elas ficam, pra amar quem nunca amou. De tanto chorar-se, não havia mais nada a fazer. Aliás, acho que o sentido de guardar as águas de dentro se justifica para que a sensação de que algo ainda pode ser feito perdure na cabeça, porque depois do choro, não há mais mar. Como pode o desassossego ter tantos "s" e ser tão singular?