segunda-feira, 23 de setembro de 2019

As máquinas amáveis, e quando tudo mudou.

Tudo mudou.
Mudou tanto que volta e meia me pego pensando o quanto nossos dispositivos de guardar memórias são obsoletos. Me pego imaginando que quando iniciei esse hábito, ou vício, de conversar com máquinas, ainda fazia trabalhos enclausurados em disquetes e os entregava aos professores do ensino fundamental, com um leve orgulho por participar da mais alta tecnologia do momento. No fundo nem era verdade, porque nos idos de 2008 já não eram os disquetes que reinavam, eram os pen drives mal nutridos, que cabiam pouco mais do que uma imagem em boa resolução ou 20 músicas de mp3. Mas na minha vida ainda eram os disquetes, e toda a parafernalha que nem existe mais.
Me confundi um pouco com qual das mil contas de email, este lugar estava vinculado, e quase desisti por tentar tantos que já nem sei. Quando era bem jovem gostava de criar muitas contas de email que me fizessem parecer mais inteligente e original. Acontece que no fundo, eu sempre fui um pouco atrasada com as modas e com as coisas.
Tudo mudou de verdade. Quando comecei esse velho hábito blá, blá, blá - o Brasil vivia um estranho jeito de fantasia, e parecia que tudo era meio possível, e nós, achávamos que a vida era decidida por nós, exclusivamente. Nada parecia nos acordar daquele sonho estranho, um misto de futuro com nostalgia. Faz pouco mais de onze anos, e tudo mudou. Mas já disse que tudo mudou.
Quando eu entrei na universidade achei que aquilo era o ápice da vida adulta e que tudo melhoraria a partir daquela imersão no mundo burguês ao qual eu nunca havia pisado na vida. Entre amores profundos e textos que não entendia, passei longos anos lá, perdida no tempo, me esparramando no espaço, e depois me encolhendo na realidade, de novo.
Nada mudou, e é contraditório e contagiante dizer isso depois de tudo.
Nesse meio tempo fui perdendo a capacidade de síntese, e complicando demais a parte boa que é conversar com máquinas sem que ninguém te furte de si. É claro que hoje pessoas ganham dinheiro com máquinas falantes e reprodutoras e fotos cheias de filtro e frustração, e muita falação sobre tudo e sobre nada. Eu não queria ter conversas francas com pessoas, só com máquinas.
Foram muitas e muitas conversas francas que tive com máquinas, todas elas bem sucedidas, porque não havia nelas a vontade de existir.
Quem existe, complica.
Mas como tudo mudou, e ao mesmo tempo tem coisa que não muda, eu senti saudade. Nostalgia.
Eu queria mesmo estar aqui, e de alguma forma me conectar com aquela pessoa de alguns anos atrás que escrevia bem melhor do que agora, mesmo tendo lido muito menos, vivido muito menos e ponderado muito menos qual palavra usar, como agora. Eu fui crescendo, e perdendo a vontade absoluta de ser inteligente e original, porque isso ficou tão na moda. Eu queria desver certas coisas hoje, e poder apenas conversar com máquinas.
Sinto que vivo num país hoje que jamais aquela menina que se preocupava com amar e escrever, poderia imaginar. Reli um texto dela, onde ela pregava a liberdade individual e falava odiar o Chico Buarque, porque o fã clube dele era detestável. No país que eu vivo hoje, aquela menina não poderia dizê-lo jamais, porque isso sim é que dar corda pra maluco. Também, nesse mesmo texto aquela menina falava estar cansada de pessoas desconectadas com os reais problemas da vida.
Eu tendo a concordar com a última parte, mas devo admitir que gosto de Chico Buarque hoje, e de cinema iraniano também. Talvez aquelas pessoas que aquela menina detestava fossem meninas crescidas e distraídas com a vida adulta, tão cheia de pegadinhas.
E sobre amar. Bom, sobre amar, eu amo como ela amava. Sempre em descompasso, sempre querendo mais, sempre em perfeita ansiedade de ser logo e viver logo. Eu amo assim ainda.
Os amores dela, ainda são os meus. Eles nunca morreram, e nem vão. Porque depois de tudo ter mudado, continua tudo igual.
Eu não gosto mais de frio. Gosto de calor. Eu nem vivo mais na mesma cidade. Mas ainda uso roupas parecidas. Eu continuo fumando muitos cigarros. Continuo meio deprêshow. Fiz poucos amigos desde lá. Não ganho dinheiro com o que faço. E não sei fazer muitas coisas. Vejo a praia com mais frequência agora, e escrevo coisas que não gosto, ou gosto só de vez em quando.
Enfim, essa foi uma versão soft de "querido diário", mas não me importo porque gosto de conversar com máquinas.
Tenho meus primeiros cabelos brancos, meu manequim continua o mesmo, mas com dobras a mais. Meu rosto tem umas marcas, e eu torci o pé esses dias. Eu juntei meus panos de bunda com um rapaz de fina personalidade, calado e terno. Ele gosta de música e também de descansar. Nós somos adultos, parece. Sonhamos um bocado com muitas coisas, e as vezes eu não gosto dele, e as vezes amo muito. Acho que é assim que se cresce.
Pois bem, era isso. Salvei num post it virtual a senha e o email deste blog, e tenho certeza que da próxima vez que tentar acessá-lo não vou saber onde encontrar a informação, porque as coisas são obsoletas, e eu sempre tô atrasada.