domingo, 29 de novembro de 2015

É.

Pelos caminhos que a vida dá, pelas estradas daquilo que chamamos de destino, através das pessoas lindas que vemos transitar nesse globo cheio de amor e ódio, a gente se encontra. Quando a gente se encontra, encontramos o mundo. Que mundo!!
O deslocamento é poderoso. Desde o mais simples homem, àquele que faz da vida sua arte, até àquele cheio de habilidades, cuja a arte se confunde na vida, é possível ver e transformar. O mundo não pode acabar ainda, porque eu não conheci as belezas humanas e não-humanas que nele habita. O mundo não pode morrer, por que eu ainda não morri.

quinta-feira, 30 de julho de 2015

Metade.

Existir já é uma pergunta. Nos últimos tempos tenho sentido um mal-estar em tudo aquilo que pergunta. Tenho andado nas ruas sem saber quem existe. Tenho tido muito tempo pra pensar nas coisas dos livros. Eu queria poder voltar. Nenhum dos dias tem sido fáceis, uns choram, outros riem, outros se entorpecem rindo e chorando da vida que vos cabe, que nos cabe.

A cidade é a síntese do desespero, é a junção das angústias, é o chão e o céu, apenas. Ninguém sabe como carregar as coisas que estão entre eles...perdemos a trilha de pão, perdemos a fórmula da criação, perdemos a noção de que a felicidade é algo que inventamos pra colocar no lugar das nossas próprias vidas vividas. Não produzimos. Nos desviamos. Se viemos ao mundo pra não achá-lo bom, não há nenhuma substância na existência. Quem fez o mundo questionável? O mundo é.
As pessoas choram, cada vez mais sozinhas, procurando como voltar a existir, elas querem se conectar, mas não conseguem mais se achar no meio de tanta parafernalha...elas não produzem - não existem. Não existo.

O problema é que eu nunca acreditei nas coisas médias. Nunca acreditei na esperança do quase, porque o quase não existe. O quase é uma palavra que não faz com que as coisas aconteçam ou deixem de acontecer. Quase morrer não é morrer, quase nascer não é nascer. Quase é quase nada. Aí mora o problema. Sendo quase nada, já é alguma coisa. O quase prende tudo e todos na ilusão do que não é.

Eu nunca gostei de ver o pôr-do-sol da cidade, é medíocre, é quase bonito, mas não é. Eu odeio quem pondera, odeio as diplomacias, odeio juízes, odeio a alegria besta. Eu nunca soube lidar com Machados de Assis do colégio, nem com os Jorges Amados. Eu nunca gostei da ideia de submeter as coisas bonitas ao médio da vida. Eu odeio mulheres que amam não amando, e homens que nunca amam. Odeio frases não ditas, odeio imagens dizentes, odeio as peças que são de graça, odeio choro nem vela.

Eu não consigo lidar com as famílias médias, eu não consigo lidar com a força-meia, eu não sei enlouquecer "pero no mucho". Eu não sei lidar com os quase loucos.
Eu detesto seres simpáticos, eu odeio o livre-mercado, eu odeio o trabalho, eu odeio os amores folhetinescos, eu odeio a meia-vida, eu odeio a ideia do copo meio cheio, eu odeio auto-ajuda. Eu não sei lidar com meio-mundo.  Eu não sei lidar com a metade.
Eu tenho certeza - a metade de mim que diz isso é inteira, a outra está completamente louca.

quinta-feira, 23 de julho de 2015

Breve: Das coisas que a Gina me trouxe.


 Com Carlos tudo era simples, era tímido, era belo, e misterioso. Me trouxe uma quase inabalável (pelo menos uma certa imunidade temporária) auto-estima. Me deu também alguns quilos de teledramaturgia barata, me foi útil em dados momentos da vida. Nada de mais, nem de menos. Foi rápido, foi simples, na verdade foi tosco.

 Eduardo era um tipinho estranho, chorava um pouco, tinha umas caras, umas bocas, era tão fraco. Sinceramente não me deu muita coisa, acho que na verdade só encheu minha caixinha do passado com bilhetes estremecidos e ameaças de tristeza profunda com a vida. Acho que não tem utilidade a caixa do passado, talvez quando estiver velha deva rir dos pacotes de papel escrito.

 Manoel foi ridículo, oh meu deus, como foi ridículo. Era um excelente ator de romances juvenis furados, com jurinhas de amor e uma pica enfurecida pelos hormônios do mundo, cheirava a um perfume tão doce, mas tão doce, que meu estômago ficava em barulhos. Acho que só trouxe comigo sua ânsia sexual, sua busca pelo prazer e talvez um bom CD gravado no computador, digno de festas trash, regadas a vodca ruim...acho que me ensinou também a me entorpecer com alguns tóxicos. Ele era forte, mas um pouco estúpido, pouco inteligente, muito pouco, quase nada.

Bons tempos vivi com Roberto, nossa vida era engraçada, não existia nada de concreto, mas existia muita cerveja, muitas risadas e um pouco de cumplicidade feminina. Roberto era um homem sem ser exatamente masculino...andei ouvindo histórias sobre ele, de que realmente resolveu assumir seu sexo. Ele era especialmente boçal, não havia nenhum conteúdo realmente sério na sua cabeça, não havia. Ganhava dinheiro apenas por ser ridiculamente engraçado. Acho que me trouxe um pouco de loucura, guardo toda ela na bolsa, pra quando precisar. Talvez um pouco de afeto, era um afeto falso, mas já era algum afeto.

 Jorge era incrível, era incrivelmente criativo, saliente, esperto, bravo, manso, lindo. Ele era lindo, mas ele não existia pra mim, não existia. Ele me investigou, ele se aprofundou em mim, ele me estudou. Dele ficou uma gama imensa de boas músicas, um estoque gigantesco de afetos, e uma insuportável ausência quando foi, pois ele era imenso, e fez buraco no sofá. Me deixou algumas pistas. De infelicidade, de loucura, e de alegria. Fez uma trilha de pão bem útil. Ah, trouxe também boas piadas.

 Daí apareceu um cérebro excitante, verdadeiramente excitante. Era inexplicável como me excitava aquele ser. Heleno era estranhamente magnético, ele me desconstruía, me vasculhava, me revertia, me pervertia. Como ele era capaz de fazê-lo, eu nunca descobri, mas era enlouquecedor. Além disso ele tinha uma trepada intelectual, sináptica, simpática, seca. Ele era muito docemente frio. Trepava, já colocava alguma roupa e fumava um cigarro. E falava por horas, horas, horas...e tudo o que ele falava me soava meio ancião, ele tinha uma sabedoria pragmática, maluca, firme, horrorosa, era muita sanidade pra mim. Ele me contou um milhão de coisas sobre mim que só aconteceriam anos depois, bruxo, mago. Dele trouxe todas as palavras, todas. Um bom bocado de teorias, livros, imagens abstratas de mim, do mundo, algumas doses de auto-estima, algumas doses de loucura (eu já tinha bastante na bolsa)...ele me deu algumas ensinamentos tântricos e forças estranhamente femininas. Descobri que posso ser um passarinho e também uma víbora desalmada, aff...Heleno fez bagunça, deu trabalho.

Caymi, esse foi um mar.  Caymi era livre. Tão livre que só chorava no banheiro. Ele era forte, tinha uma inteligência experimental magnífica, é só riso. Ás vezes ficava triste, olhando pro nada, com cara de passado. Enigmático. Ele tinha uma inconstância estranha, vinha com tudo, depois não queria nada. Na verdade acho que ele se confundia com o mundo. Dele peguei tudo que podia, botei um milhão de conversas na mala, tive que pedir um caminhão de mudança. Na verdade peguei ensinamentos, peguei mar, peguei sons e cores, peguei um bocadão de afeto. Acho que esse foi o problema, era tanto afeto que o eros foi embora, a gente vivia transando as idéias.

 A nossa relação começou estranha. A gente tinha acabado de se conhecer, e nem nos apaixonamos logo de cara. Ela é muito complexa, intensa, forte, exigente. Depois de um tempo nos amamos. Descobrimos isso num dia tedioso, num bar estranho, ninguém nos olhava, ninguém nos punia, ninguém nos vigiava, e enfim nos amamos. Por mim, eu digo, que todas as minhas trajetórias só foram possíveis porque ela viveu, ela nasceu. Depois dela, os homens se transformaram em conhecimento do mundo, e cada um deles contribuiu para que o meu amor por ela se solidificar, se morfar, e sobreviver.

Eu e Gina continuamos felizes, a verdade é que ela está sempre comigo, me mostrando caminhos fáceis, porém vertiginosos. Gina me trouxe muita coisa, ela me ensinou a guardar. Me apresentou um mundo de oportunidades estéticas, sinestésicas, musicais, dramáticas...efêmeras. Eu ainda me encanto com ela, me maravilho com a sua parceria quase incondicional. Ela me surpreende, ela me ama. Ela me afeta. Sozinha com ela descobrimos coisas em comum entre nós e o mundo. Eu não quero que a Gina vá embora.

terça-feira, 21 de julho de 2015

Com migo.

E de que nãos você tá falando? Muitos, todos que pude. A verdade é que eu ando vasculhando coisas pra encontrar onde foi que anotei seu contato. Meu contato. Queria me ligar e dizer pra mim que tenho dito muitos nãos e eles são duplas-negativas. Eu ainda vejo coisas suas por aqui, e ainda me chegam notícias sobre você, sobre mim. Dizem por aí que o tempo tem lhe feito mal, mas sinceramente suas fotos são ótimas! Você também vai ver gente feliz, sorrindo e bebendo. Vai ver que depois, tudo aquilo ficou tão sem motivo. Vai perceber que o tempo passa rápido e nem vai sentir mais dor...mentira, você vai sentir um pouco de dor, mas só quando ver o mar, ou quando o natal estiver próximo. Ah, queria tanto te ligar pra dizer pra você não cortar o cabelo, você vai se arrepender bastante...nem tente pintá-los também. Deixe-os assim, negros. Preciso dizer também pra cuidar da sua pele e dos seus olhos, eles terão problemas, e sério, não frequente motéis baratos, sério. Queria te falar tanta coisa, queria falar pra não perder a linha com tanta frequência. Em algum momento você também vai ficar louca, na verdade, emocionalmente descontrolada, vai chorar no banheiro às vezes, vai chorar por causa do banheiro também. Acumule mais coisas, você vai precisar. Ah, não enlouqueça com seus amigos, chore para eles ao invés de fingir que está bem, talvez eles possam te ajudar. Não fume tanto, você vai gastar uma grana fumando todos os cigarros do mundo, depois vai desenvolver uma bronquite chata, e vai ter que ir no médico periodicamente pra tomar remédio, porque você não vai querer ficar viciada em "bombinhas". Você foi muito esperta de parar de tomar refrigerante, muito mesmo. Por favor, não diga não ao amor, não diga. Você é muito rude. Seja mais gentil, seja mais tolerante...comece a estudar inglês logo, você vai precisar. Não se arrependa de tantas coisas, no fundo, você só queria sentir o vento. Saia mais e quando sair, tente gastar menos. Não se encante com todos, algumas pessoas vão tentar te seduzir, outras vão até dizer que você seduz...rs, olha só, logo você que se achava tão estranha, espere só pra te ver agora...um dia vão te dizer a coisa mais linda que alguém já te disse. Eu te conto agora, ou prefere se surpreender?Ah, não aguento, vou te contar: que você parece um passarinho...engraçado não? Queria tanto falar com você, mas você já não existe.

segunda-feira, 15 de junho de 2015

Sacos.

Todo mundo vem ao mundo com um saco. Esqueçam as anatomias, todos vem com um saco. Pois bem, esse saco serve pra guardar nossas "coisas de dentro", mas que não cabem mais dentro. As "coisas de dentro" são todas àquelas que você produz no encontro com você mesmo. A partir do primeiro e do segundo cérebro, e também daquelas outras formas de viver. Acontece que tem gente que enche o nosso saco. Algumas pessoas transbordam seu próprio saco e, na ausência de ter outro recipiente guardador, começam a guardar suas "coisas de dentro" no saco dos outros. É evidente que diante disso, os sacos, ambos, ficam pesados demais pra serem carregados no caminho. Tem gente que é tão incapaz de seleção, que enche o saco de mais de uma pessoa no mundo, aliás, tem gente que precisa de dez, quinze, talvez até trinta sacos alheios pra depositar suas "coisas de dentro". Eu tenho piedade. Compaixão. Na verdade, as pessoas acumuladoras, tendem a não perceber que são sempre pesadas demais, carregam coisas demais. Pra essas pessoas, a solução é começar o processo mais difícil: juntar todas essas "coisas de dentro" e deixá-las em algum lugar onde existem pessoas com sacos vazios....como é aquela expressão popular?... fazer um "saco do pobre". Doar. Depois disso, vem a parte estranha que é ver o saco vazio, ser leve. Num processo desse você aprende que não é bom guardar tudo, não é bom recolher tudo o que vê, e não é bom ocupar o saco de outrem. As pessoas realmente não precisam guardar suas "coisas de dentro".

quarta-feira, 8 de abril de 2015

sobre os "s"

Aquela sensação de pós-morte desce seco pela garganta. Mais um, e talvez só mais um. Ainda não soube de que foi, se foi de amor, ou desamor. Se foi só... se foi só. Tinha uma vontade estranha, de um dia ser capaz de secar todas as lágrimas que já se guardaram nos seus rios. Tinha uma necessidade estranha de fazer racionamentos desnecessários. Tinha nenhuma chance de secá-las, porque lhe falaram que é bom guardar, quem guarda sempre tem. É o ditado. Mas, tem pra quando? Um dia, foi seduzido pela vida, pelas cores da vida, pela possibilidade de comê-las. E quase comeu, quase. De fato sentia uma angústia, grande, dentro de si. Uma coisa que nunca passava, nunca ia embora, estava sempre lá, renovando votos de um casamento: na alegria e na tristeza, a tristeza nunca ia embora. Agonia, desassossego, e uma vontade grande de mudar, sempre mudar...e sempre mudava de fato. Mudava tanto que nem sabia mais aonde tinha deixado seu corpo. Nesse dia, andou pelo branco e pelo preto, andou pelo cinza, andou com seres grandes e pequenos...andou por aí, com a certeza de que não tinha dado um passo sequer. Nessa andança achou-se. Depois de tanto andar se encontrou e conversou longamente, achou-se, e chorou-se. Foi tanta a força desse encontro, que nem sabia pra onde ia depois sem "si mesmo", foi tanto o estrago desse encontro que, mesmo se quisesse não havia uma gota sequer de lágrima nenhuma pra chorar-se. Por mais que doa, nunca chora, há um racionamento, há seca. E mesmo assim insiste em procurar alguma água pra chorar-se, numa espécie de autopiedade, de misericórdia de si no encontro com o mundo. Porque o mundo é um espelho, e o reflexo que se vê é cheio de marcas fundas e fendas escuras e tristes. Naquele dia, naquele encontro, ninguém podia duvidar de dor nenhuma, a dor estava ali manchando as paredes, sujando os móveis, rasgando as roupas, e destruindo abraços futuros. Ele chorou-se tanto, se visse, nem acreditaria. Quem dera pudesse ir sem deixar nenhum choro, nenhuma tristeza, mas, assim como os cheiros, os sentimentos ficam vagando, procurando seus donos, mesmo depois que eles vão embora. E depois, quando não acham o que procuram, fazem os outros sentirem seus cheiros, e comerem seus sentimentos. É quase como as almas de quem amou um dia, elas ficam, pra amar quem nunca amou. De tanto chorar-se, não havia mais nada a fazer. Aliás, acho que o sentido de guardar as águas de dentro se justifica para que a sensação de que algo ainda pode ser feito perdure na cabeça, porque depois do choro, não há mais mar. Como pode o desassossego ter tantos "s" e ser tão singular?

segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

- balelas sobre os começos.

Anos com números pares costumam ser sempre mais difíceis. Eu sempre achei que isso fosse uma indicação do zodíaco, uma coisa meio cabalística ou talvez a maneira como eu tento justificar a minha falta de energia nos meios e fins das coisas. Eu gosto mesmo é de começar. A intenção é sempre criar uma expectativa mais complicada que a do ano anterior pra depois usar isso para explicar por que não deu certo. O fato é que este ano quase novo, de fato, não traz nada aparentemente surpreendente, não a primeira vista. Nada que me faça romper, sair, mudar, rir, chorar e tals...é só um ano, e talvez ele nem tenha que começar no dia 1 de algum calendário romano, grego judaico, chines ou microcósmico. Ele começa quando começa. Eu talvez não tenha terminado algum ano no meio do caminho. Quando olho pra essas coisas quase não da pra vê-las se modificando. E o tédio, ah, o tédio é uma constante. Eu não gosto dessa cidade, e não sei se gosto de alguma verdadeiramente, na realidade eu gosto de estar na transição entre uma e outra, gosto de sair e voltar, pra gozar na saída e brochar na chegada...num ciclo que me traz entusiasmo e a certeza de que meu lugar é, mas não é, aqui. Talvez esse novo ano ímpar possa ser mais, e eu sempre espero que seja. Eu espero que as coisas se mexam, e me levem junto, me carreguem...mas daí lembro que, eu sou a coisa, sendo eu a coisa eu é que tenho que fazer a mala e botar nela o movimento que não me deixa parar.