sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

- Sem sentido.

Na calçada, ele via o mundo passar.

Todos os dias, ele sentava na frente da Mercearia do seu José, e lá ficava, até conseguir algo que lhe desse alegria.

Faziam alguns dias que não trocava de roupa, e se sentia bem com aquela camiseta velha estampada com a foto do Charles Chaplin, e gostava da bermuda enorme segurada por um cinto marrom; porém sabia que estavam sujas, e já exalando o mau cheiro da rua, cheiro de tudo junto. Era o que ele dizia, quando alguém lhe falava sobre o mau cheiro de sua roupa. Pensava ele afinal; que roupas usaria se não estas?

Aquele garoto, de uns oito anos aparentemente, mantinha consigo, uma coisa diferente, brilho talvez. Mistério. Ninguém sabia de onde vinha, o que fazia ali sentado na calçada toda tarde, quem era sua mãe, pai – Família.

Seu José já cansara de lhe perguntar sobre sua vida, e não obteve resposta se quer uma vez, e nem ao menos se sabia o nome daquele pequeno estranho, perdido numa imensidão vasta de pessoas, coisas, sonhos.

O garoto pensava com ele mesmo, todas as tardes, quem lhe dera o sopro de vida, e tentava adivinhar como foram feitas as coisas, o mundo. Não que fosse desprovido de inteligência, pelo contrário, era bem esperto, e sabia de muita coisa para sua idade. Comunicava-se como ninguém, e tudo que conseguira até aquele momento, vinha do resultado de suas doces e divertidas palavras, que encantava tudo ao seu redor.

Às manhãs, trabalhava como engraxate, recebia uns trocados, que garantia seu café da manhã (sempre leite com café); adorava café, todos achavam estranho um garotinho gostar tanto de café – “Feito gente grande”. E durante o resto do dia, simplesmente sentava na calçada, sorria para as pessoas, falava sobre Charles Chaplin, e contemplava as maravilhas do movimento, pessoas passando pela rua da frente.

Sabia ele pra que lado ir, e sabia também que devia voltar antes do pôr do Sol; só não sabia pra quem voltar.

Todos os dias são e serão assim para ele, e algum dia ele vai decidir ir pro outro lado, vai querer testar o gosto da desobediência própria, algum dia, ele vai se sentar em outra calçada, e quem sabe a vida lhe dê outro rumo. Enquanto isso, ele senta na calçada e espera o que ninguém sabe o quê, ele olha pra onde ninguém vê.

E sempre quando vai embora, cita Charles Chaplin, e numa voz quase miúda, sem ao certo saber o quê significa, diz como se fosse seu hino:

- Mais um dia bom...perfeito.

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