quinta-feira, 19 de março de 2020

Lutos.

Vê. Não somos gentis.
Na ausência total de sentido pras coisas úteis, percebe-se um vazio imenso, que preenche todas as pequenezas que nos invadem na correnteza das coisas. A verdade é que partimos, inevitavelmente, de lugares distintos. A pequeneza das coisas se traduz em valor, negociável, de tempo e energia. A correnteza da vida não é sinuosa como a dos rios, ou melhor, ela foi, mas botaram cimento. A correnteza das coisas não nos permite, talvez, contrariando toda filosofia, ser diferente do que somos agora. Só os astros.
Todos os cadáveres estão na sala, fedendo.
Empacotando seus corpos, o que sobrou deles, eu choro, um por dia. Eu os choro agora, porque só agora posso fazê-lo. Mas tenho de fazê-lo.
A correnteza é implacável.
Embora os lutos venham, os dias de sol e incerteza, me acalmam. Porque não importa o que eu deixe de fazer. A calma invade e eu choro em paz.
Faço velórios silenciosos, que se confundem com as coisas do dia. Ninguém sabe, mas eu estou de luto. Rezo pelos mortos, e sei que agora eles podem viver tranquilos. Mas eles fedem. Eu acelero seus enterros, mas não quero chorá-los com pressa. Momento propício este, que me deixa chorar com calma.
Eu vou enterrá-los, todos. Para que eu possa encontrá-los em alguma parte sem constrangimentos.
Eu me comprometo com o futuro, a partir disso, quando ele vier.



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