quinta-feira, 23 de julho de 2015

Breve: Das coisas que a Gina me trouxe.


 Com Carlos tudo era simples, era tímido, era belo, e misterioso. Me trouxe uma quase inabalável (pelo menos uma certa imunidade temporária) auto-estima. Me deu também alguns quilos de teledramaturgia barata, me foi útil em dados momentos da vida. Nada de mais, nem de menos. Foi rápido, foi simples, na verdade foi tosco.

 Eduardo era um tipinho estranho, chorava um pouco, tinha umas caras, umas bocas, era tão fraco. Sinceramente não me deu muita coisa, acho que na verdade só encheu minha caixinha do passado com bilhetes estremecidos e ameaças de tristeza profunda com a vida. Acho que não tem utilidade a caixa do passado, talvez quando estiver velha deva rir dos pacotes de papel escrito.

 Manoel foi ridículo, oh meu deus, como foi ridículo. Era um excelente ator de romances juvenis furados, com jurinhas de amor e uma pica enfurecida pelos hormônios do mundo, cheirava a um perfume tão doce, mas tão doce, que meu estômago ficava em barulhos. Acho que só trouxe comigo sua ânsia sexual, sua busca pelo prazer e talvez um bom CD gravado no computador, digno de festas trash, regadas a vodca ruim...acho que me ensinou também a me entorpecer com alguns tóxicos. Ele era forte, mas um pouco estúpido, pouco inteligente, muito pouco, quase nada.

Bons tempos vivi com Roberto, nossa vida era engraçada, não existia nada de concreto, mas existia muita cerveja, muitas risadas e um pouco de cumplicidade feminina. Roberto era um homem sem ser exatamente masculino...andei ouvindo histórias sobre ele, de que realmente resolveu assumir seu sexo. Ele era especialmente boçal, não havia nenhum conteúdo realmente sério na sua cabeça, não havia. Ganhava dinheiro apenas por ser ridiculamente engraçado. Acho que me trouxe um pouco de loucura, guardo toda ela na bolsa, pra quando precisar. Talvez um pouco de afeto, era um afeto falso, mas já era algum afeto.

 Jorge era incrível, era incrivelmente criativo, saliente, esperto, bravo, manso, lindo. Ele era lindo, mas ele não existia pra mim, não existia. Ele me investigou, ele se aprofundou em mim, ele me estudou. Dele ficou uma gama imensa de boas músicas, um estoque gigantesco de afetos, e uma insuportável ausência quando foi, pois ele era imenso, e fez buraco no sofá. Me deixou algumas pistas. De infelicidade, de loucura, e de alegria. Fez uma trilha de pão bem útil. Ah, trouxe também boas piadas.

 Daí apareceu um cérebro excitante, verdadeiramente excitante. Era inexplicável como me excitava aquele ser. Heleno era estranhamente magnético, ele me desconstruía, me vasculhava, me revertia, me pervertia. Como ele era capaz de fazê-lo, eu nunca descobri, mas era enlouquecedor. Além disso ele tinha uma trepada intelectual, sináptica, simpática, seca. Ele era muito docemente frio. Trepava, já colocava alguma roupa e fumava um cigarro. E falava por horas, horas, horas...e tudo o que ele falava me soava meio ancião, ele tinha uma sabedoria pragmática, maluca, firme, horrorosa, era muita sanidade pra mim. Ele me contou um milhão de coisas sobre mim que só aconteceriam anos depois, bruxo, mago. Dele trouxe todas as palavras, todas. Um bom bocado de teorias, livros, imagens abstratas de mim, do mundo, algumas doses de auto-estima, algumas doses de loucura (eu já tinha bastante na bolsa)...ele me deu algumas ensinamentos tântricos e forças estranhamente femininas. Descobri que posso ser um passarinho e também uma víbora desalmada, aff...Heleno fez bagunça, deu trabalho.

Caymi, esse foi um mar.  Caymi era livre. Tão livre que só chorava no banheiro. Ele era forte, tinha uma inteligência experimental magnífica, é só riso. Ás vezes ficava triste, olhando pro nada, com cara de passado. Enigmático. Ele tinha uma inconstância estranha, vinha com tudo, depois não queria nada. Na verdade acho que ele se confundia com o mundo. Dele peguei tudo que podia, botei um milhão de conversas na mala, tive que pedir um caminhão de mudança. Na verdade peguei ensinamentos, peguei mar, peguei sons e cores, peguei um bocadão de afeto. Acho que esse foi o problema, era tanto afeto que o eros foi embora, a gente vivia transando as idéias.

 A nossa relação começou estranha. A gente tinha acabado de se conhecer, e nem nos apaixonamos logo de cara. Ela é muito complexa, intensa, forte, exigente. Depois de um tempo nos amamos. Descobrimos isso num dia tedioso, num bar estranho, ninguém nos olhava, ninguém nos punia, ninguém nos vigiava, e enfim nos amamos. Por mim, eu digo, que todas as minhas trajetórias só foram possíveis porque ela viveu, ela nasceu. Depois dela, os homens se transformaram em conhecimento do mundo, e cada um deles contribuiu para que o meu amor por ela se solidificar, se morfar, e sobreviver.

Eu e Gina continuamos felizes, a verdade é que ela está sempre comigo, me mostrando caminhos fáceis, porém vertiginosos. Gina me trouxe muita coisa, ela me ensinou a guardar. Me apresentou um mundo de oportunidades estéticas, sinestésicas, musicais, dramáticas...efêmeras. Eu ainda me encanto com ela, me maravilho com a sua parceria quase incondicional. Ela me surpreende, ela me ama. Ela me afeta. Sozinha com ela descobrimos coisas em comum entre nós e o mundo. Eu não quero que a Gina vá embora.

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