terça-feira, 5 de maio de 2020

Aos poetas ruins, roteiristas e artistas plásticos - Convocatória de descriação urgente

Precisamos convocar urgentemente uma grande assembleia com todos os poetas do mundo, menos os que são úteis, os roteiristas de cinema, os artistas plásticos, porque não há mais tempo a perder, e é necessário descriar esse fim de mundo uníssono e já batido entre os humanos, que não tiveram a dádiva da ignorância.
Um bom fim de mundo que se preze não pode, jamais, deixar de considerar as senhoras com suas sacolas, transeuntes alegres, que gozam da, desconcertante, capacidade de ignorar os fins de mundo catastróficos. E como não considerar os homens velhos que arrastam suas barrigas pontudas, quase grávidos, para o conforto de todo o universo da praça? Um bom fim de mundo que se preze, não pode se contentar com as cidades vazias, porque essa ficção é, no limite, uma glória.
Convocaremos por setor, a saber: a) os poetas que não falam de amor, porque são inúteis então podem contribuir para criação de novas palavras para as disintereçâncias que um novo fim de mundo deve causar aos mais apegados; b) roteiristas de cinema que possam criar uma ficção que não obedeça à curva, cuja história não nos faça acreditar no melhor, mas também, que não nos deixe a própria sorte; c) artistas plásticos que, com toda a abstração necessária para se chegar na imagem errada, criem uma cenografia, onde participam do fim do mundo, os seres pequeninos, tais como: as formigas, as baratas, os maruins...aqui cabe a criação de uma cláusula: não serão permitidas em nenhuma hipótese cenográfica a aparição de mariposas, é certo que esse item fica confuso, mas exemplificarei: onde e como se escondem do novo fim do mundo as lêndeas? Como se comportarão as espadas-de-são-jorge que crescem em algum pedaço de chão? Também é certo, que no tocante aos comportamentos, setores A e C precisam trabalhar em conjunto.
É importante salientar aos poetas, por serem em essência seres ingênuos, que não será permitido o estabelecimento de imagens extremas. Entendam, o que estamos tentando fazer aqui é criar uma justa forma que caiba num novo fim de mundo - não se percam nas métricas! É estritamente necessário que cada setor entenda sua função de descriação, uma atividade muito minuciosa, que exigirá de todos o comprometimento proporcional. 
Um prazo deverá ser estipulado para a conclusão dos trabalhos, e aqui sugiro que pensemos nos critérios, e talvez, os parâmetros: a) nem tão rápido como o caminhar das lesmas, afinal temos pressa, e o novo fim do mundo precisa entrar em cartaz antes que se cumpram as profecias; b) nem tão devagar quanto o movimento das montanhas, tendo em vista que a cada translação uma pedra rola a ribanceira, e consequentemente, depois de muito tempo, criam penhascos e neles colocamos tudo a perder.
Como último ponto, por hora - é terminantemente proibida a crianção de consensos. 
Esperamos que com esses encaminhamentos as nossas descriações aumentem bem. 

Nota: para o bem desse delírio houve a necessidade de consultar o manual máximo de desconhecimentos - "Meu quintal é maior que o mundo: Antologia".


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